Apocalipse – O Livro Da Vitória
Autor: Delcinalva de Souza Lima
O livro do Apocalipse é chamado pelo seu autor de “Apocalipse de Jesus Cristo” (Ap 1.1). A palavra apocalipse vem da palavra grega apokalypsis e significa revelação, tirar o véu que oculta algo para que se possa ver, desvendamento, manifestação daquilo que está oculto ou encoberto. O autor do livro ao chamá-lo de Ἀποκάλυψις Ἰησοῦ Χριστοῦ (Apocalipse de Jesus Cristo) está afirmando que o conteúdo do livro é um desvendamento, uma manifestação feita por Jesus daquilo que estava oculto, encoberto.
O Apocalipse é uma mensagem transmitida por Jesus para ser entendida pelos cristãos do tempo em que o livro foi escrito, tendo como finalidade auxiliá-los e consolá-los no meio das dificuldades e para isso o livro apresenta “Cristo como eternamente vitorioso sobre todas as condições temporais, e, assim, [encoraja] os cristãos do tempo de João, e de todos os tempos, até o retorno de nosso Senhor” (Summers, p. 138).
O livro afirma que a revelação de Jesus foi feita a João e que ele a escreveu por ordem expressa do próprio Jesus, que lhe disse: “O que vês, escreve-o num livro” ( Ap 1. 11). Esse João, apresenta-se como sendo um sendo um servo de Jesus Cristo (1.1), irmão e companheiro dos cristãos que viviam na Ásia Menor e que compartilhava com eles a aflição. Tanto era assim que João estava na ilha de Patmos por causa da palavra de Deus que anunciava e do testemunho que dava de Jesus. João escreve assim: “Eu, João, que também sou vosso irmão e companheiro na aflição, e no Reino, e na paciência de Jesus Cristo, estava na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus e pelo testemunho de Jesus Cristo” (Ap 1.9).
O João que escreveu o Apocalipse é o apóstolo amado, o irmão de Tiago e filho de Zebedeu (Mc. 3.17; Mt 4. 21-22). Sabe-se isso pelo fato de o escritor chamar-se a si mesmo, dentro da obra, de João (1.1, 9 e 22.8) sem acrescentar nenhuma outra explicação, mostrando assim que era conhecido das igrejas da Ásia Menor, às quais escrevia. Além disso, Justino, o mártir, que escreveu entre 140 e 166 d.C. afirmou que João, o apóstolo de Cristo, escreveu o Apocalipse.
O apóstolo João escreveu o livro do Apocalipse quando uma grande perseguição aos cristãos estava começando e ele já estava exilado na ilha de Patmos (Ap 1.9) . Quando João escreveu, pelo menos um cristão já havia sido morto em Pérgamo: “...e não negaste a minha fé, ainda nos dias de Antipas, minha fiel testemunha, o qual foi morto entre vós...” (Ap. 2.13) e a igreja de Esmirna foi advertida a respeito do sofrimento que estava para vir, que incluiria prisão e tribulação (Ap.2.10).
Patmos, onde o apóstolo João estava preso, é uma ilha árida e rochosa de 34,6 km2, no mar Egeu e hoje pertence à Grécia. No tempo do império romano, a ilha era usada como lugar de banimento de criminosos e o apóstolo João esteve exilado na ilha durante o governo do imperador Domiciano que governou de 81 a 96 d.C. Esse imperador era um devoto dos deuses pagãos (ídolos), construiu templos para esses deuses com seu nome e obrigou os judeus a pagarem um imposto especial porque não adoravam os deuses romanos nem o imperador. Domiciano também perseguiu os cristãos porque eles se recusaram a aceitar o imperador como divino. Sendo os cristãos monoteístas (adoradores de um único Deus), dando sua devoção apenas ao Deus Pai do Senhor Jesus Cristo, e aceitando apenas Jesus como Senhor, não prestavam culto à deusa Roma, nem ao imperador que exigia ser chamado de senhor e deus.
Para entender o motivo da perseguição aos cristãos é preciso conhecer um pouco as atitudes dos imperadores romanos a respeito de si próprios. Júlio César declarou-se divino e fez com que uma estátua sua fosse colocada nos templos, juntamente com os outros deuses. Augusto César (31 a. C. a 14 d.C) aceitou o título de Sebastos, que significa digno de reverência e adoração, e aceitou também que nas províncias fossem construídos templos em sua honra. Calígula (37 a 41 d.C) exigiu ser adorado como divino e que a sua estátua fosse colocada no templo de Jerusalém, o que provocou grande furor por parte dos judeus e os conselheiros levaram o imperador a desistir desta idéia, ficando os judeus isentos da obrigação de adorá-lo.
Enquanto os cristãos foram considerados judeus pelo governo romano, estiveram em segurança, pois também estavam isentos da obrigação de adorar o imperador, mas quando os cristãos deixaram de se reunir nas sinagogas (lugar onde os judeus se reuniam para ler o Velho Testamento, orar e cultuar a Deus), o cristianismo se tornou ilegal porque mostrou ser uma religião diferente do judaísmo e a lei romana proibia religiões novas.
Seguindo o costume dos imperadores romanos, Domiciano determinou que ele próprio deveria ser cultuado e esse culto era exigido com mais rigor nas províncias do que em Roma, pois aumentava a submissão dos povos dominados ao império. Cada província era governada por um procônsul, que era responsável por administrar a justiça, garantir a ordem, cobrar os impostos, controlar os assuntos religiosos, e supervisionar os sacerdotes responsáveis pelos templos e esses sacerdotes tinham poder para exigir o culto ao imperador.
Domiciano, por decreto dele mesmo, tornou-se “deus e senhor” e Suetônio, historiador romano, afirma que ele começava as suas cartas assim: “ Nosso Senhor e Deus ordena que seja feito desta ou daquela forma” (Summers, p. 123). Esse imperador mandou fazer estátuas suas de prata e ouro, colocá-las nos templos e punir com desterro, tortura, prisão ou morte aqueles que se recusassem a adorá-lo.
A província da Ásia Menor (hoje Turquia) já de há muito havia se notabilizado pelo culto à deusa Roma e ao imperador. Em 195 a. C. Esmirna se orgulhava do templo dedicado à deusa Roma. Em 29 a. C. , nas cidades de Éfeso e Nicéia, foram construídos templos dedicados a Roma e ao imperador Júlio César.
Adorar o imperador era prova de patriotismo e lealdade, contudo os cristãos não podiam oferecer sacrifícios diante da estátua do imperador nem declarar que o imperador era senhor, uma vez que isso feria a lealdade básica dos cristãos a Deus e a Jesus Cristo.
Depois do ano 70 d.C., tendo Jerusalém sido destruída pelos romanos, a Ásia Menor tornou-se o centro do cristianismo e vivia ali a maioria dos cristãos, por isso era natural que nessa região se manifestasse maior resistência à adoração ao imperador, surgindo um grave conflito entre o estado romano e as igrejas cristãs, que levaria os cristão a perderem bens, casa e a própria vida.
O livro do Apocalipse foi dirigido às sete igrejas da Ásia Menor, onde os cristãos estavam sendo perseguidos. Essas evidências mostram que o livro foi escrito durante o reinado de Domiciano, mais ou menos em 95 d.C.
O tema do Apocalipse é o encorajamento, a esperança e a promessa de vitória para aqueles que fossem leais a Cristo até a morte. João queria encorajar os cristãos à perseverança e fidelidade mediante a certeza de que o mal será derrotado e a justiça de Deus triunfará. Essa mensagem acompanha a igreja de Cristo em todas as épocas, por isso o livro do Apocalipse tem uma mensagem para os cristãos neste início de um novo século: A vitória está assegurada, Jesus é o vencedor e os que forem leais a ele também serão vencedores. Entre esses vencedores há lugar para todos aqueles que ainda vierem a crer em Jesus como Senhor e Salvador.
O livro do Apocalipse tinha um significado para os leitores aos quais foi destinado originalmente e o seu valor para nós depende de entendermos o significado para a época em que foi escrito. Assim, o livro do Apocalipse não pode ser desvinculado da época histórica em que foi escrito para que seja devidamente entendido.
O livro está organizado em atos e cenas que avançam para um fim apoteótico, e precisa-se observá-lo como um drama, no qual João expressa sua mensagem da vitória do Senhor Jesus e da sua igreja.
A revelação começa em Deus, que é o fundamento e a fonte de toda a verdade - “revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu...” . Deus é a origem da revelação (ela provém de Deus), sendo um dom, uma oferta de Deus, pois é algo que o homem não conseguiria conhecer pelos seus próprios esforços.
A revelação que tem sua fonte em Deus vem por meio de Jesus Cristo, que é o agente através do qual esta revelação é comunicada aos seus servos, aos cristãos.
A verdade que Deus comunica aos seus servos é enviada por Jesus através do seu anjo (mensageiro celestial), que é o intermediário das visões deste livro. No Velho Testamento também os anjos eram os instrumentos pelos quais Deus, muitas vezes, se revelava aos seus profetas (Dn. 8.16; 9.21; Zc. 1.9, 13; 2.3; 4.1). Embora Jesus se sirva da instrumentalidade do seu anjo, em muitas visões dadas a João, o próprio Jesus apareceu a João (1.13) e lhe ordenou que escrevesse as coisas que veria (1.19) e lhe ditou as cartas para as sete igrejas (capítulos 2 e 3) e lhe mostrou a visão do céu (4.1). O anjo confia, então, a revelação a João para que este a comunique aos demais servos de Jesus. Tem-se, então, uma revelação cuja fonte é Deus, o mediador é Jesus, que é dada através de um anjo ao apóstolo João, que a transmite por escrito aos demais cristãos.
Deus quer mostrar aos seus servos as coisas que devem acontecer, isto é, coisas que moralmente são necessárias “para que um fim justo seja cumprido; por isso é que estas coisas acontecerão em breve. (...) Neste trecho do Apocalipse vemos que havia uma necessidade moral de aquelas coisas serem cumpridas brevemente para que o povo de Deus, então oprimido, visse o seu braço revelado e o seu conforto estendido a eles numa época de aparente desastre” (Summers, p. 57).
Outra palavra que nos chama a atenção no versículo 1 é brevemente (logo). João estava escrevendo para um povo que estava sofrendo, que estava com a vida ameaçada e que precisava de uma mensagem de conforto e de fortalecimento imediato, assim o que acontecerá logo é a providencia de Deus para que a causa de Cristo triunfasse antes que houvesse vitória do império romano. Havia uma necessidade moral de que certas coisas realmente acontecessem logo, pois os cristãos perseguidos precisavam da certeza de que Cristo estava vivo, no meio deles e que providenciaria o triunfo deles sobre seus inimigos imediatos: Roma e o imperador Domiciano.
Desta forma entende-se que uma parte do livro de Apocalipse já está cumprida, mas que outra parte ainda está para acontecer, no que diz respeito ao juízo final.
A revelação foi notificada pelo anjo a João. A palavra grega traduzida por notificou quer dizer mostrada por sinais (símbolos). A mensagem do Apocalipse foi dada através de símbolos, que são sinais visíveis de algo invisível, de uma idéia ou de uma qualidade. Assim, a linguagem deste livro deve ser entendida como figurada e poucos são os textos em que poderemos tomar a linguagem como literal. Para entender o Apocalipse é preciso interpretar os seus símbolos.
A leitura das Escrituras era uma parte essencial de todo culto público realizado pelos judeus na sinagoga (Lc 4.16; At 13.15). As igrejas cristãs adotaram este costume também em seus cultos e a leitura das Escrituras passaram a ser parte importante do culto cristão. O meio de tornar conhecida das igrejas a revelação deste livro era através da leitura pública nos cultos. É declarado que aquele que tem o privilégio de ler essa mensagem de Deus diante da congregação (Apoc. 1.3) é muito feliz (bem-aventurado) e que também o são aqueles que escutam a leitura deste livro e também são muito felizes aqueles que guardam (obedecem) as palavras escritas no livro, pois são verdadeiras, servem de advertência, consolo e estímulo para vencer as provas e manter-se fiel ao Senhor Jesus Cristo.
Outra expressão que chama a atenção em Ap 1.3 é “ouvem as palavras desta profecia...” O livro do Apocalipse é profecia no sentido de ser mensagem vinda da parte de Deus para o seu povo, por comunicar a revelação divina aos cristãos. É profecia porque revela a realidade do conflito existente entre o reino deste mundo (a sociedade de costas voltadas para Deus, rebelada contra ele, dirigindo-se sem levar em conta a vontade divina e por isso estando sob o domínio de Satanás) e o reino do Senhor Jesus Cristo, sendo um conflito que atravessa a história, mas que terá um fim; nesse dia o Senhor Jesus se apresentará vitorioso e os seus servos serão vitoriosos com ele.
Agora leia o livro do Apocalipse de uma só vez. Desta maneira você terá uma visão panorâmica da obra e poderá aproveitar melhor as lições que se seguirão. Não leia versículos isolados. Para ajudá-lo nesta leitura oferecemos a seguir uma estrutura do livro visto como um drama, isto é, peça representada em um palco. A cortina se abre e você vê as cenas se desenvolvendo. Durante a leitura não preste atenção nos detalhes, mas procure ver a cena como um todo.
Prelúdio
O Revelador - 1.1-20
As Sete Cartas - 2.1 a 3.22
PRIMEIRO ATO
1a. Cena - A Corte Celestial - 4.1 a 5.14
O trono de Deus - 4.1-14
O rolo lacrado com selos - 5.1-5
O Cordeiro abre os selos - 5.6-14
2a. Cena - Os Seis Selos (6.1-7) - O drama do sofrimento humano
Interlúdio - As Duas Multidões - 7.1-17
3a. Cena - O Sétimo Selo - 8.1-6
4a. Cena - As Seis Trombetas - 8.5 a 9.21 - Advertências ao mundo incrédulo
Interlúdio – O Pequeno Rolo e as Duas Testemunhas - 10.1 a 11.
5a. Cena - A Sétima Trombeta - 11.15-19 - O mundo já não existe
SEGUNDO ATO
1a. Cena - A Luta de Satanás contra o Cordeiro - 12.1 a 13.5
Interlúdio - Os anjos que proclamam o juízo (14.1-13) e o juízo (14.14-20)
2a. Cena - As Sete Taças - 15.1 a 16-21 - A punição de Deus
3a. Cena - A queda de Babilônia - 17.1 a 19.6
4a. Cena - A Vitória Final do Senhor Jesus Cristo - 19.6 a 20.15
5a. Cena - Tudo Novo - 21.1 a 22.5
Poslúdio
Advertência Final - 22.6-21
Bibliografia
ASCRAFT, Morris. Apocalipse. In Comentário Bíblico Broadmam. Rio de Janeiro: Juerp, 1985. Vol. 12.
HENRY, Matthew. Commentary on the whole Bible. New York: Fleming H. Revel Company, s/d. Vol 6.
SUMMERS, Ray. Digno é o Cordeiro – uma interpretação do Apocalipse. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1957.
Perfil do Autor
Mestre em Educação, Bacharel em Teologia e Letras. Diretora Acadêmica do Seminário RJ.
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