quinta-feira, 23 de junho de 2011

ESPIRITUALIDADE, TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO & JUVENTUDE

"A espiritualidade é uma aventura comunitária, passo de um povo que percorre o próprio caminho, em seguimento a Jesus Cristo, através da solidão e das ameaças do deserto. Experiência espiritual que é o poço do qual teremos de beber. Ou, quem sabe, na América Latina de hoje, o nosso cálice, promessa da ressurreição". (GUSTAVO GUTIERREZ MERINO)


No princípio:


         O objetivo principal deste texto e dos outros que virão é explicar, é esclarecer, para a juventude que participa das comunidades eclesiais de base o que é a Espiritualidade da Libertação (EdL) e a Teologia da Libertação (TdL), quem são seus principais teóricos e pensadores, e como elas e eles ajudam na caminhada e na construção da Civilização do Amor.

         A EdL e a TdL se originaram da e na experiência das primeiras comunidades cristãs na divulgação do Evangelho do Moreno de Nazaré, passando pela iniciativa da Ação Católica Geral e Especializada até se tornarem um movimento extraordinário na segunda metade do século XX na América Latina. Começam a germinar de fato nos desdobramentos do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962 – 1965), com a abertura da Igreja Católica à modernidade, se afirmavam termos como: a Igreja dos Pobres, aggiornamento, sinais dos tempos. O grande nome do Concílio Vaticano II foi o arcebispo de Recife e Olinda: D. Hélder Pessoa Câmara, que alguns anos antes havia criado a CNBB e o CELAM; o arcebispo não fez nenhum discurso, seu trabalho era de articulação e organização nos bastidores, ou melhor, nas catacumbas. D. Hélder foi um dos mentores do Pacto das Catacumbas[i], uma declaração de extrema beleza, ternura e despojamento, assinado por bispos, que tinham como maior objetivo servirem humildemente, sem nenhuma pompa, honrarias ou benefícios o Povo Santo de Deus.

         Na América Latina, o ateísmo nunca foi o principal problema. O problema de ontem e de hoje é a pobreza institucionalizada (econômica e politicamente), que é uma afronta ao Deus Abbá de Jesus de Nazaré; a vivência religiosa irá exigir nos anos seguintes ao Concílio uma gradual e radical transformação da sociedade.

         Os novos ares soprados pelo Concílio chegaram na América Latina e deram frutos saborosos com a Conferência dos Bispos em Medellín (1968 – Colômbia). Estava jogada no chão adubado com sangue de Nossa América, as sementes da EdL e da TdL.

         Em 1971, o padre Gustavo Gutiérrez escreve a obra fundante: Teologia da Libertação – Perspectivas; dando início a uma série de novos e intensos escritos a partir e sobre a EdL e a TdL. Do lado protestante, os primeiros escritos nesta direção brotam do coração de Rubem Alves. Em 1972, o franciscano Leonardo Boff escreve Jesus Cristo Libertador, iniciando no Brasil todo o debate em torno da EdL e de sua TdL. Em 09 de abril de 1986, o Beato João Paulo II escreveria à CNBB uma carta com estas palavras: “Na medida em que se empenha por encontrar aquelas respostas justas – penetradas de compreensão para com a rica experiência da Igreja neste País, tão eficazes e construtivas quanto possível e ao mesmo tempo consonantes e coerentes com os ensinamentos do Evangelho, da Tradição viva e do perene Magistério da Igreja – estamos convencidos, nós e os Senhores, de que a Teologia da Libertação é não só oportuna mas útil e necessária. Ela deve constituir uma nova etapa – em estreita conexão com as anteriores – daquela reflexão teológica iniciada com a tradição apostólica e continuada com os grandes padres e doutores, com o magistério ordinário e extraordinário e, na época mais recente, com o rico patrimônio da Doutrina Social da Igreja, expressa em documentos que vão da Rerum novarum à Laborens exercens.”

Emerson Sbardelotti
Estudante de Teologia, Historiador, Turismólogo
Coordenador Teológico do Instituto João Maria Vianney  - Teologia para Leigos e Agente de Pastoral Leigo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição Aparecida – Cobilândia, Vila Velha – ES


[i] PACTO DAS CATACUMBAS DA IGREJA SERVA E POBRE
Nós, Bispos, reunidos no Concílio Vaticano II, esclarecidos sobre as deficiências de nossa vida de pobreza segundo o Evangelho; incentivados uns pelos outros, numa iniciativa em que cada um de nós quereria evitar a singularidade e a presunção; unidos a todos os nossos Irmãos no Episcopado; contando sobretudo com a graça e a força de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a oração dos fiéis e dos sacerdotes de nossas respectivas dioceses; colocando-nos, pelo pensamento e pela oração, diante da Trindade, diante da Igreja de Cristo e diante dos sacerdotes e dos fiéis de nossas dioceses, na humildade e na consciência de nossa fraqueza, mas também com toda a determinação e toda a força de que Deus nos quer dar a graça, comprometemo-nos ao que se segue:

1) Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. Cf. Mt 5,3; 6,33s; 8,20.

2) Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos). Cf. Mc 6,9; Mt 10,9s; At 3,6. Nem ouro nem prata.

3) Não possuiremos nem imóveis, nem móveis, nem conta em banco, etc., em nosso próprio nome; e, se for preciso possuir, poremos tudo no nome da diocese, ou das obras sociais ou caritativas. Cf. Mt 6,19-21; Lc 12,33s.

4) Cada vez que for possível, confiaremos a gestão financeira e material em nossa diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico, em mira a sermos menos administradores do que pastores e apóstolos. Cf. Mt 10,8; At. 6,1-7.

5) Recusamos ser chamados, oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor...). Preferimos ser chamados com o nome evangélico de Padre. Cf. Mt 20,25-28; 23,6-11; Jo 13,12-15.

6) No nosso comportamento, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer aos ricos e aos poderosos (ex.: banquetes oferecidos ou aceitos, classes nos serviços religiosos). Cf. Lc 13,12-14; 1Cor 9,14-19.

7) Do mesmo modo, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou por qualquer outra razão. Convidaremos nossos fiéis a considerarem as suas dádivas como uma participação normal no culto, no apostolado e na ação social. Cf. Mt 6,2-4; Lc 15,9-13; 2Cor 12,4.

8) Daremos tudo o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc., ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e economicamente fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique as outras pessoas e grupos da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários compartilhando a vida operária e o trabalho. Cf. Lc 4,18s; Mc 6,4; Mt 11,4s; At 18,3s; 20,33-35; 1Cor 4,12 e 9,1-27.

9) Cônscios das exigências da justiça e da caridade, e das suas relações mútuas, procuraremos transformar as obras de "beneficência" em obras sociais baseadas na caridade e na justiça, que levam em conta todos e todas as exigências, como um humilde serviço dos organismos públicos competentes. Cf. Mt 25,31-46; Lc 13,12-14 e 33s.

10) Poremos tudo em obra para que os responsáveis pelo nosso governo e pelos nossos serviços públicos decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento harmônico e total do homem todo em todos os homens, e, por aí, ao advento de uma outra ordem social, nova, digna dos filhos do homem e dos filhos de Deus. Cf. At. 2,44s; 4,32-35; 5,4; 2Cor 8 e 9 inteiros; 1Tim 5, 16.

11) Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral - dois terços da humanidade - comprometemo-nos: * a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres; * a requerermos juntos ao plano dos organismos internacionais, mas testemunhando o Evangelho, como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria.

12) Comprometemo-nos a partilhar, na caridade pastoral, nossa vida com nossos irmãos em Cristo, sacerdotes, religiosos e leigos, para que nosso ministério constitua um verdadeiro serviço; assim: * esforçar-nos-emos para "revisar nossa vida" com eles; * suscitaremos colaboradores para serem mais uns animadores segundo o espírito, do que uns chefes segundo o mundo; * procuraremos ser o mais humanamente presentes, acolhedores...; * mostrar-nos-emos abertos a todos, seja qual for a sua religião. Cf. Mc 8,34s; At 6,1-7; 1Tim 3,8-10.

13) Tornados às nossas dioceses respectivas, daremos a conhecer aos nossos diocesanos a nossa resolução, rogando-lhes ajudar-nos por sua compreensão, seu concurso e suas preces.
AJUDE-NOS DEUS A SERMOS FIÉIS.
Notas:

1. Publicado no livro "Concílio Vaticano II", Vol. V, Quarta Sessão (Vozes, 1966), organizado por Boaventura Kloppenburg (p. 526-528).

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